quinta-feira, 7 de junho de 2012

A mídia e os medicamentos (Victoza, Rimonabant, Vioxx, Dorflex...)


Por Paulo Gentil,

Freqüentemente vemos reportagens estrondosas em veículos impressos e na televisão sobre medicamentos milagrosos. São várias páginas e incontáveis minutos dedicados a falar sobre os supostos benefícios de substâncias recém descobertas. Em outros momentos, por outro lado, passam despercebidas iniciativas extremamente interessantes que conseguiram curar doenças por meio de intervenções naturais, medicamentos caseiros, mudanças comportamentais etc. Aí surgem algumas perguntas: como e quem seleciona quais são as intervenções que terão atenção da mídia? Será que há um critério objetivo baseado nos reais benefícios que a sociedade pode obter? Ou será simplesmente uma questão de quem paga para ter atenção?

Há um tempo, foram vistas matérias em revistas de grande circulação e emissoras de TV sobre um medicamento que supostamente serviria para “reduzir a barriga”, o Rimonabant. Prontamente, fui me informar sobre a substância e fiquei alarmado, me questionando como seria possível que veículos de comunicação pretensamente sérios fizessem aquele tipo de matéria. Esclarecendo, o Rimonabant é um medicamento que atua no sistema endocanabinóide, antagonizando o efeito gerado pelo receptor endocanabinóide e, consequentemente, diminuindo o apetite (Isoldi & Aronne, 2008). A famosa “larica” que alguns usuários de maconha sentem após o uso da droga se deve justamente à ativação desse receptor. A minha pergunta é: como o medicamento poderia reduzir seletivamente a gordura da barriga? A proposta apresentada na revista não fazia nenhum sentido! Não havia como o medicamento reduzir a barriga e, o pior, mesmo os estudos que encontraram efeitos na perda de peso mostraram resultados pouco relevantes. Uma revisão dos artigos sobre 
o tema mostra que a perda de peso com o uso prolongado do Rimonabant ficaria na casa dos 4 quilos, e isso para pessoas obesas (Curioni & Andre, 2006)! Além da pouca eficiência, o medicamento traz sérios efeitos colaterais, principalmente no sistema nervoso, tais como sintomas de esclerose múltipla, doença de Parkinson e até mesmo mal de Alzheimer. Inclusive algo muito sério e que a mídia relatou pouco foi a ocorrência de diversos suicídios entre os usuários do remédio. Será que isso vale a pena por meros 4 quilos? Como alguém pode dizer que essa seria a solução para se perder barriga? Além de ineficiente, o medicamento traz sérios riscos! Um exemplo do que estou falando é um estudo que usou Rimonabant em milhares de pessoas e obteve resultados preocupantes. A droga não diminuiu o risco de problemas cardiovasculares e, pior, provocou sérios efeitos colaterais, com destaque para problemas gastrointestinais, desordens neuro-psiquiátricas e transtornos psiquiátricos que resultaram em alguns suicídios (Topol et al., 2010). Isso levou o estudo a ser interrompido precocemente e os autores a afirmarem que o experimento foi uma importante lição para o desenvolvimento de medicamentos. Mas será que a lição foi aprendida?

Muita gente pode se perguntar como isso é possível? Como é possível que os veículos de informação divulguem informações falsas e perigosas de maneira indiscriminada e permaneçam impunes? Isso só é possível porque a indústria farmacêutica movimenta uma enormidade de dinheiro. E muita gente coloca o dinheiro acima de tudo! É por isso que o Dorflex, apesar de ser proibido nos países de primeiro Mundo por causar um elevado número de mortes devido à agranulocitose (Andersohn et al., 2007; Merida Rodrigo et al., 2009), ainda assim é um dos medicamentos mais usados no Brasil. Sim, é possível! Bem como é possível que o Vioxx tenha se tornado um dos medicamentos mais populares do Mundo apesar de ter causado danos à saúde e matado milhares de pessoas (Faunce et al., 2010). Esse caso do Vioxx foi tão emblemático que a forma como a informação foi manipulada e o medicamento foi empurrado goela abaixo dos pacientes gerou vários editorais em revistas científicas importantes (Frazier, 2005; Waxman, 2005; Armstrong, 2006). 

Mais recentemente tivemos outro exemplo triste, o Roziglitazone, usado pelos diabéticos. O medicamento pode até baixar a glicemia, mas é comprovadamente cardiotóxico, de modo que uma pessoa que toma o remédio tem mais risco de morrer do coração do que quem não toma (Hernandez et al., 2011; Tolman, 2011). Tanto que o medicamento foi suspenso na Europa em setembro de 2010. Qual o sentido de tomar um medicamento, se ele aumenta meu risco de morrer? Como é possível que ele chegue ao mercado e milhares de pessoas o tomem? Simples: manipulação dos resultados dos estudos, compra de espaço na mídia, distribuição de benefícios para pesquisadores e profissionais de saúde, divulgação de informações imprecisas e/ou fictícias, etc. Para quem desejar ver isso de uma forma mais clara, recomendo que assistam ao excelente filme “O Jardineiro Fiel”, dirigido por Fernando Meirelles.

Depois de tantas mazelas, agora a mídia tenta nos fazer acreditar em uma nova panacéia: a droga Liraglutida, cujo nome comercial é Victoza. A proposta, estampada em revistas de grande circulação e veiculada na televisão é que esse seria um medicamento eficiente para perda de gordura. O problema é que a liraglutida não tem nada a ver com isso, a substância é parecida com o peptídeo similar ao receptor de glucacon 1 (GLP1, do inglês glucagon-like peptide 1). Sua ação é estimular a liberação de insulina e inibir o glucagon em situações de glicemia elevada, ou seja, é um medicamento que promoveria a absorção de nutrientes e não sua queima. Por isso, seu uso original seria destinado a diabéticos e não para quem quer ficar “sarado” para o verão. O único efeito que ele poderia ter no emagrecimento seria um possível retardo no esvaziamento gástrico, o que prolongaria a sensação de saciedade, mas a relevância disso é muito questionável. Tão questionável que a maioria dos estudos sobre o tema não encontraram perda de peso com o uso da liraglutida, mesmo em pessoas obesas (Harder et al., 2004; Madsbad et al., 2004; Feinglos et al., 2005; Seino et al., 2008; Jendle et al., 2009; Nauck & Marre, 2009; Kaku et al., 2010). E os poucos estudos que encontraram efeitos positivos reportaram reduções de 1 a 4 quilos após 14 a 26 semanas de uso em pessoas obesas (Nauck et al., 2006; Vilsboll et al., 2007; Astrup et al., 2009; Russell-Jones et al., 2009)! Imagina uma pessoa obesa perder, numa perspectiva otimista, 150 gramas por semana! Isso merece uma matéria de capa em uma revista de grande circulação?? Uma observação importante sobre esses poucos estudos que encontraram a perda de peso (pouco relevante, diga-se de passagem) é que eles foram financiados pelo fabricante do remédio. Bem sugestivo!

É estranho que se dê tanta atenção para estratégias que não funcionam e ainda por cima causam danos à saúde dos usuários! Ficamos perplexos em ver que os estudos como o de Wallace et al. (1997) não ganham notoriedade. Os autores usaram musculação em diabéticos por 14 semanas e encontraram perda de gordura corporal acima de 7 quilos, ganhos de massa magra superiores a 4 quilos, redução dos triglicerídeos e do colesterol LDL e aumento do colesterol HDL no sangue e ainda assim não mereceram nenhum espaço na mídia!! Também passam despercebidos os estudos como os de DiPìetro et al. (2008) que usaram musculação com elásticos e reduziram em menos da metade os diagnósticos de intolerância a glicose, ou seja, curaram o problema em mais da metade das pessoas! É incompreensível ver como se fala de medicamentos que não tem nenhuma relação fisiológica com a perda de barriga e não se fala do estudo de Ibanez et al. (2005), no qual idosas diabéticas praticaram musculação por 16 semanas sem fazer dieta (pelo contrário, elas comeram 15% a mais que antes) e perderam mais de 10% da gordura da região do abdômen, tanto a interna quanto a subcutânea, além de melhorarem em 46,3% a sensibilidade à insulina. O exercício é um tratamento eficiente, sem efeitos colaterais, que melhora o estado geral do organismo e ainda por cima é barato!! Mas infelizmente não se dá atenção a ele porque não se distribui dinheiro para tocar no assunto. Enquanto isso, a sociedade sofre os efeitos dessa desinformação. Pessoas vão gastando seu dinheiro, governos investem em estratégias ineficientes, alguns vão enriquecendo e outros vão morrendo...

Enfim, a relação promíscua entre os fabricantes de medicamentos, alguns pesquisadores e a mídia nos traz constantemente informações falsas e maliciosamente manipuladas, com o objetivo de favorecer o interesse econômico dos grupos envolvidos, mesmo que isso ocorra às custas da saúde e até mesmo da vida de milhares de seres humanos. Para evitar se expor, deve-se ter muito cuidado com esse tipo de propaganda e, antes de ingerir tais substâncias , é recomendável procurar fontes confiáveis de informação. Uma dica que tenho dado para quem me procura é: desconfie da mídia! Matérias muito apelativas, promessas milagrosas, muito resultado com pouco esforço, são todos ingredientes recorrentes das estratégias imorais usadas para nos empurrar substâncias ineficientes. O exercício continua sendo o melhor remédio por ser barato, eficiente e não ter efeitos colaterais, e isso sim é cientificamente comprovado!



Fonte: www.gease.pro.br

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