segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
Texto "Só mais um passo" de Saint-Exupéry
Guillormée
pilotava sobre a cordilheira quando seu pequeno monomotor sofreu uma pane,
caindo sobre a montanha de neves eternas. Embora não tivesse se ferido
gravemente, suas pernas apresentaram profundos cortes e sérios
ferimentos.
Com muito
esforço e sentindo fortes dores, ele abandonou a cabine do avião
destroçado.
Ao
constatar a extensão dos ferimentos, compreendeu que não teria como sair dali
sozinho. Perscrutou o horizonte em todas as direções e só viu solidão
gelada.
Conhecedor
da região, após rápida análise, entendeu que seu fim estava próximo,
principalmente em razão dos sérios ferimentos que sofrera nas pernas. Por um
instante sentiu-se tomado de pânico e pela dor de saber que chegava ao fim de
seus dias. Pensou na família que não tornaria a ver, nos amigos, nas tantas
coisas que ainda pretendia realizar e na impotência de não ter a quem pedir
socorro.
Depois,
já mais conformado, pôs-se a pensar sobre as medidas a tomar. Não havia nada a
fazer no sentido de sobrevivência, portanto o mais sensato seria deitar-se na
neve e esperar que o torpor causado pelo frio tomasse conta de seu corpo,
permitindo-lhe ser envolvido, sem dor, pelo manto da morte.
Deitado
sobre a neve, Guillormée dirigiu o pensamento a seus filhos, que ele não veria
crescer e à esposa, de quem tanto gostava. Aquele homem de espírito forte,
batalhador, lutava consigo mesmo para resignar-se à situação.
"Meu
consolo - pensava ele - é saber que eles não ficarão desamparados; meu seguro
de vida tem cobertura suficiente para proporcionar-lhes subsistência
por muito tempo. Menos mal! Felizmente tive o bom senso de estar preparado para
uma situação destas; tão logo seja liberado meu atestado de óbito, a companhia
de seguros...".
Neste
instante, Guillormée teve um sobressalto; sua apólice rezava que o seguro só
seria pago mediante a apresentação do atestado de óbito.
Ora,
naquele lugar inacessível, seu corpo jamais seria encontrado; ele seria dado
por desaparecido. Não haveria, pois, atestado de óbito. Passar-se-iam anos de
privações para sua família, antes que ele fosse oficialmente considerado
morto.
Apavorado
com essa idéia, ele pensou: "A primeira tempestade de neve que cair
soterrará meu corpo; nunca irão me achar.
Preciso
caminhar até um lugar onde meu corpo possa ser encontrado". As dores que
sentia eram cruciantes, mas sua determinação era maior. Ele sabia que, ao pé da
cordilheira, havia um povoado cujos moradores costumavam aventurar-se até certa
altura da montanha, para caçar.
A
distância era longa - vários quilômetros -, mas ele precisava realizar a última
proeza de sua vida: chegar até onde seu corpo pudesse ser encontrado por um
caçador. Reunindo todas as forças que ainda lhe restavam, obrigou-se a ficar em
pé. Foi preciso um esforço hercúleo para não cair.
Consciente
da distância que teria de percorrer e sabedor de que não podia permanecer
naquele local, apesar de seu estado lastimável, Guillormée estabeleceu a meta
de dar um passo. Jogou um passo a frente e disse:
"Só
um passo!".
Com
extrema dificuldade empurrava a outra perna e repetiu:
"Só
mais um passo!",
e de
novo:
"Só
mais um passo!".
Concentrando
toda a sua energia apenas no próximo passo e estabelecendo um forte
condicionamento positivo - através do comando "só mais um passo" ele
caminhou quilômetros pela neve.
Não se
permitia pensar na distância que ainda faltava percorrer, ou em sua dificuldade
para se locomover; concentrava-se apenas no espaço a ser vencido pelo passo
seguinte. Assim caminhou o dia todo.
A tarde
já ia avançada quando seus olhos, turvos pela dor e pelo cansaço, vislumbraram
alguns vultos à sua frente; firmou o olhar e percebeu que se tratava de pessoas
que olhavam estupefatas, para ele.
"Agora
eu já posso morrer", pensou, e deixou-se escorregar para o nada.
Dias
depois, já no hospital, abriu os olhos e a primeira imagem que viu foi a da
esposa, a seu lado. Guillormée teve alguns dedos de um dos pés amputados, que
foram congelados pela neve. Passou algum tempo hospitalizado, até readquirir
forças, mas continuou vivo ainda por muito tempo.
Ao narrar
esse episódio acontecido com seu amigo, Saint-Exupéry relata a determinação
desse homem valente e ressalta o fato de que foi a fixação da meta em
curtíssimo prazo ("só mais um passo") que lhe proporcionou força e
ânimo bastante para vencer a dura prova pela qual passava.
Tivesse
ele pensado na enorme distância a ser percorrida, na situação física precária
em que se encontrava, e muito provavelmente não teria encontrado forças para
alcançar o objetivo a que se determinou no alto da montanha.
Esse
exemplo deixa bem clara a importância da estipulação de metas bem definidas; em
curto prazo (só mais um passo); em médio prazo (chegar ao pé da montanha); em
longo prazo (ter seu corpo localizado), para a realização de qualquer objetivo
proposto.
Se uma
emergência obrigá-lo a fazer mudanças nos planos, os ajustes também poderão ser
feitos com pequenos passos complementares, mas para tanto é necessário saber
para onde você quer ir.
A
primeira condição para se realizar alguma coisa, é não querer fazer tudo ao
mesmo tempo.
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